segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Teoria do visitante estrangeiro x o habitante local


            Tenho uma teoria sobre o comportamento do visitante estrangeiro, versus o do habitante local. Me explico.
            Já reparou que os japoneses, povo considerado o que mais trabalha no mundo, tira apenas uma semana de férias por ano e, neste curto tempo, consegue visitar toda a Europa, conhecer o Brasil, ou quem sabe até dar a volta ao mundo?
            É bem verdade que são “férias de japonês”, algo assim, como uma “visita de médico”, só que com relação a viagens. Eles, com a mais moderna tecnologia em mãos, registram cada minuto do passeio para, uma vez de volta à casa, apreciar todos os lugares por onde passaram. Vêem, então, o filme da própria vida, em tempo real pois, ao vivo, não tiveram tempo de viver com calma. Paradoxo dos paradoxos.
            Nossa saudosa Tia Isaura, que viveu prodigiosos 99 anos, e viajou o mundo todo, dizia, quando perguntada porquê não tirava uma foto sequer de suas viagens: - “Bobagem, o tempo que eu tenho para ver com meus próprios olhos, vou gastar olhando por trás de uma câmera?” Argumento legítimo e incontestável, mesmo para os amantes da fotografia. Bem, o dilema entre viver e registrar a vida é tema para outro texto .
            Mas, voltando à “vaca fria”: esta teoria bem poderia ser patenteada, antes que seja comprovada cientificamente ou vire tese de Doutorado. Fruto de anos de observação, demonstra o seguinte: todo viajante tem a sina de querer conhecer o máximo de ícones do turismo, no mínimo de tempo. Permanecer em cidades estrangeiras em geral é caro, portanto, o viajante precisa dizer a que veio. Por exemplo: mesmo que você não se considere um turista, e se veja mais como um cidadão do mundo, mesmo que seja um viajante pouco tradicional, “cool”, alternativo, ou até sofisticado, tem certos programinhas que você não vai deixar de fazer: se for à Paris, vai subir na Torre Eiffel, andar de Bateau Mouche no Sena, tomar sorvete na Ile de La Cité. Se for gringo visitando o Rio, tem que ir ao Pão de Açucar, procurar a garota de Ipanema e fazer fotos no Cristo Redentor. Senão, afinal, como reza a lenda, é como se não tivesse ido lá. Quando você for postar na internet uma foto daquela maravilhosa viagem à Patagônia, tem que ter as geleiras ao fundo, ou ninguém vai acreditar que você, de fato, foi lá, certo?
            Pois muito bem. Por outro lado, já reparou que os moradores destas mesmas cidades, muitas vezes nasceram ou vivem nelas há décadas, e nunca visitaram tais monumentos? Quantos cariocas nunca subiram ao Pão de Açucar, nova iorquinos nunca foram ao MOMA, parisienses só foram à Torre Eiffel quando crianças, barceloneses não conhecem o Parque Güell (parque o quê?), belo-horizontinos nunca foram à Praça da Liberdade ou ao Mercado Central.
            É que quando a gente mora num lugar, acha que tem a vida inteira pra fazer tais programas, e acaba não fazendo nada. Ouro Preto está ali desde o século XVIII, tão pertinho, pra que se preocupar? Ela lá, eu cá. Fim de semana, a gente fica cansada da correria, e é melhor não inventar moda. Fora os compromissos familiares e sociais, dos quais não dá pra escapar; se sobrar um tempinho pra um cochilo depois do almoço, em casa mesmo, já está bom demais.
            Meu pai sempre fala que existe a vontade física e a mental. Na maioria das vezes, as duas são opostas, e é mais fácil imaginar-se em algum lugar que ir parar lá de verdade. Tem gente que aprende viajando o mundo, tem gente que sabe tudo sem sair do lugar.
            Bem, ao longo dos anos já vi minha teoria se comprovar várias vezes, mas em uma viagem recente vivi uma situação que foi, além de tudo, bastante pitoresca.
           Quem guia no dia-a-dia, não conhece o destino que ensina; quem vem do outro lado do mar, num só dia conhece o mundo.
            Domingo. Férias de verão em Londres. A família toda resolve visitar o British Museum. Um programa gratuito e imperdível, tanto para crianças como para adultos. Após um rápido exame do mapa do metrô, escolhem o trajeto mais curto e partem em direção à estação de Tottenham Court Road. Lá chegando, a família se depara com as diversas e labirínticas saídas do underground, e, enquanto procuram a melhor delas, eis que se aproxima um simpático senhor, devidamente paramentado, funcionário do metrô de Londres. Muito trivial para os ingleses, para nós, como que saído de um filme. Para enorme surpresa dos visitantes, ele, interpretando a situação do alto de seus cabelos brancos, se aproxima e oferece, espontaneamente, ajuda, “with a very british accent.”
            Com ajuda da tecla sap, passo a narrar o diálogo que se segue:
- Indo para o British Museum? – pergunta.
- Sim. – respondem, surpresos com a amabilidade gratuita, esta, hoje, espécie em extinção em todo o mundo .
Ele estende a mão, oferecendo um mapa do bairro e rapidamente explica:
- Saiam em frente, primeira à direita, segunda à esquerda, no segundo quarteirão.
Querendo perpetuar o diálogo, perguntam, em meio ao turbilhão de turistas:
- Quantas pessoas já passaram indo ao Museu hoje?
Ele, com o típico bom-humor e espirituosidade inglesas:
- Três, trinta, trezentos, três mil !
- E o senhor, não vai também ao Museu?
- Já fui .... Há cinqüenta anos!
           
           

8 comentários:

  1. Patricia Lamego- Querida ana, seu texto é uma delícia! naveguei em suas palavras como em um rio que corre manso e sempre em frente. outro dia, há pouco menos de um mês defini uma meta: OLHAR PARA A MINHA CIDADE COM OLHOS DE TURISTA. ANDAR E SENTIR CADA MOMENTO. tem sido um desafio... quando alcanço meu objetivo fico maravilhada e ao mesmo tempo sem compreender porque estamos vivendo em um mundo tão acessível e tão acelerado. beijos carinhos.

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  2. Adriana Penido: Oi Ana,
    seu texto está delicioso!
    Um jeito muito particular de escrever; um jeito ana.bjs

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  3. Raquel Romano -
    Ana,
    Bela viagem no seu blog, para colorir meus sonhos.
    Beijos
    Tia Raquel

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  4. Ana,

    bom dia! Ótimo,adorei!

    Bjos e saudades!

    Selma

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  5. Nada como viajarrrr!!!
    Seja pra visitar ícones turísticos ou entrar no anonimato da rotina dos lugares =)
    Amo!
    =)
    Muack

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  6. Ana Valadares: aninha querida, estou simplesmente encantada!que delicadeza com as palavras, bem vc! vou ver sempre!quero ter mais tempo e curtir tudo, e vou indicar, é muito gostoso!não sabia deste dom seu, maravilha!palavras boas é tudo de bom!

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  7. Muito legal! Ana, quase escutei a sua voz contanto esta história.
    Beijos
    Lourena

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  8. Anoca, lendo seu texto eu vejo você. Doce, culta e sensível! Que o Senhor continue multiplicando o seu dom (para o nosso deleite ;)). Bjinho, Marina

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