terça-feira, 12 de julho de 2011

Para Vânia



            Minha mãe é uma mulher delicada. Discreta, prefere observar primeiro, pra depois, talvez, emitir sua opinião. Esta discrição anda de mãos dadas com sua nobreza de caráter e dedicação.        
          Numa amizade, é difícil encontrar alguém tão fiel. Como está escrito: “há amigos mais chegados que irmãos.” Privilegiados aqueles que ganham seu coração. Ela vai viver pra você, e pode até atravessar um oceano, se preciso for, para fazer algo como comprar um remédio, um presente, mandar cobrir um botão, ou te visitar.
         Se você adoecer gravemente, é bem provável que ela te acompanhe de perto, até você ficar bom. No dia da alta, se sua família não estiver presente, com certeza ela vai te buscar. Exagero? Pergunte a seus amigos e familiares. 
         Mas quando se ama de verdade é assim mesmo: chegamos a um ponto em que cuidar do outro é tão bom quanto cuidar de si mesmo, pois o outro se torna uma parte sua. E cuidar e amar se tornam prioridades em sua vida que, fique atento, te darão mais recompensas que muitas honras e glórias do mundo.
         É como cultivar um jardim: vai dar formiga, pulgão. Uma árvore cresce, a outra não vai pra frente. Do projeto à realidade, muito trabalho e adequação.
         Uma árvore de pé franco, plantada da semente, demora sete anos pra dar frutos pela primeira vez. Com gente não é diferente: amar e educar são investimentos a longo prazo. Você cansa, não vê retorno, até desanima. Mas quando nasce o primeiro fruto, pode ser uma pitanga sozinha no pé, ou uma declaração de amor de um filho, que satisfação ímpar! Melhor ainda é ver, no decorrer do tempo, os frutos que permanecem: retidão, caráter, maturidade, respeito, altruísmo, amor. Com minha mãe, aprendi que investir em nossa descendência, de forma presente e amorosa, é o mais importante projeto que pode haver. É nossa forma de permanecer, se desdobrando.
         Posso dizer que minha mãe tem colhido bons frutos. Afinal, de dois filhos, ganhar seis netos, mostra uma semente com excelente coeficiente de multiplicação. E, como costumo dizer, estamos conseguindo salvar nossa família que, de tão pequena, estava ameaçada de extinção.
         Bem, brincadeiras à parte, é preciso dizer que quem mais conhece o coração de uma mulher é, em primeiro lugar: Jesus, e logo a seguir..... responda. Seus maridos? Hum, alguns podem até conseguir desvendar este mistério, mas em geral, este posto é ocupado pelos filhos menores, afinal, é deles o reino dos céus.
         Você pode subestimar o poder analítico de uma criança, mas examine seu próprio coração e comece a ‘pescar’ as lembranças mais longínquas que guarda de sua mãe.
         Aposto que você se lembra vividamente do gesto de suas mãos, de sua maneira de agir e reagir às mais diversas situações, ou ainda de hábitos prosaicos, como a cor de esmalte que ela mais gostava, ou de uma encantadora gaveta de presentes que ela mantinha para situações de necessidade.
         Estas são lembranças vivas que tenho da minha mãe. Corajosa, viajava sozinha conosco, muitas vezes dirigindo centenas de quilômetros pra chegar ao destino escolhido. Este modelo de mulher intrépida é referência não só pra mim como para muitas de minhas amigas que passaram a nos acompanhar nas férias, quando a fase “turma adolescente” se tornou inevitável. Brava, discutia até com motorista de caminhão, se fosse preciso, em nome da justiça e da defesa das crias.
         Nos duros anos de chumbo, nos criou com zelo e esforço, ao lado do nosso pai, sempre nos preservando, com sobriedade e auto-controle, da opressão e de situações difíceis que atingiram nosso país e família.
         Com ela aprendi a gostar de Chico Buarque, gênio sem par que compôs as trilhas sonoras de nossas vidas nos anos 1970. Tocava em casa estas e outras músicas ao violão, no tom discreto e melancólico da época, desta forma destilando tristezas e inquietações, e sublimando a necessidade de verbalizá-las. Seu repertório multiinstrumental foi inaugurado anos antes com o acordeon, tendo iniciado sua carreira ainda solteira, escondida de meu avô, pasmem, num programa do maestro Elias Salomé, na pioneira TV Itacolomi. Mais tarde aprendeu órgão, piano, espineta e hoje, ensaia tocar sua marimba de vidro. Pra tanto instrumento, é preciso quem toque. Portanto, o legado musical vem sendo passado com zelo aos filhos e netos, estes, despontando como a quarta geração de músicos da família. A música, ao que tudo indica, foi plantada na família pela saudosa vovó Dina, que se formou em canto e piano no Conservatório de Música, em 1933, fundando a primeira orquestra de mulheres de Belo Horizonte, e oficializando o talento que já existia entre as irmãs, Sinhá, Isaura e Dina, que tocavam, muitas vezes de improviso, a trilha do cinema-mudo de Sete Lagoas.
         Bem, como 70 anos não são 70 dias, é preciso agradecer. E celebrar. “Em tudo daí graças”, assim o apóstolo Paulo, preso por causa do Evangelho, nos ensinou. Desejo a você, mãe, a alegria do Senhor, e que rios de águas vivas fluam do seu ventre. Que você possa, aos 70 anos sonhar, e viver os sonhos de Deus pra você. Em nome da família, agradecemos a vocês, amigos,  irmãos. Vocês fazem parte desta história bordada, ponto a ponto, que se chama VIDA.