terça-feira, 20 de setembro de 2011

A terra e a semente

Para Davi

 

- Pai, o que tem dentro da semente?
-Tem o miolo, e lá dentro tem tudo o que ela precisa ...
- pra virar árvore - completou o menino.
- Exatamente.
- Então a gente põe a semente dentro da terra e a terra"choca" a semente?
- É como se fosse isto, meu filho.
- Ah, entendi! É como se a semente fosse o ovo e a terra a galinha!

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Conversa com meu melhor amigo

                  Nesta madrugada de chuva fina e silêncio, depois de tamanha seca, eu me levanto para te encontrar e agradecer. Tudo é ao mesmo tempo tão misterioso e simples. Faço parte, de forma consciente, desta imensa, harmônica e maravilhosa Criação. Não nasci dentro de uma caixa, mas sobre um planeta perfeito (embora maltratado), e sob um céu tropical, com o qual navegadores de todos os tempos sonharam e  descreveram. Por favor, não me deixe esquecer de contemplá-lo, para que eu me lembre de tão pequena que sou, e de que sou feita da mesma matéria que as estrelas, embora não entenda como o infinito pode caber dentro de mim. Aliás, o mistério não é para ser compreendido, mas reverenciado. O navegador experiente, ainda que numa pequena canoa, conhece o mar, e o temor que tem por ele é o que garante sua sobrevivência. 
                 Eu te agradeço, pois mesmo sendo tão pequena, tenho podido conhecer segredos profundos do seu coração. A cada experiência contigo conheço mais de seu caráter e aprendo a ser melhor, eu pelo menos tento. Aliás, você é especialista em pessoas. Quanto mais entrega existe, mais lapidação. Sua especialidade é transformar pedras brutas em diamantes, e esta obra é permanente. Jardineiro, ourives, terapeuta, cozinheiro, amigo, PAI: Não há nada que você não saiba e ensine. Como é bom ver você diante de mim abrindo o caminho e me estendendo a mão, me ajudando em TODAS as horas. Quando estou na sua presença muitas vezes apenas choro, pois o seu amor é grande demais e não existe nada que se compare a ele: "Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente , nem o provir, nem a altura, nem a profundidade poderá nos separar do seu amor." Por favor, não me deixe nunca dedicar meu tempo, minha atenção ou minhas finanças a qualquer coisa menor que você, por melhor que pareça, pois NADA me preencherá como você me preenche.
                      Apenas um amigo seu, o mais íntimo, abraçado a você, pôde ouvir as batidas do seu coração. Obrigada, porque, mesmo sendo tão imperfeita, você me permite ficar tão perto de você, que é como se ouvisse seu coração bater. E, mais ainda, sei que você conhece cada batida do meu coração, assim como cada passo, antes de ser dado, ou cada palavra minha, quando ainda é pensamento. Aliás, isto parece impossível, mas eu sei que você conhece minha alma melhor do que eu mesma. E não é só isto: você me olha e me conhece com verdadeiro Amor. Quando você me escaneia, vejo quanto sou limitada, mas "o seu poder se aperfeiçoa na minha fraqueza". Muito obrigada, porque, embora pemaneça num mundo superficial e terreno, passei a viver segundo valores celestiais, e agora sei que "há muitas coisas boas, mas eu devo preferir as excelentes". Mas como saber o que são coisas boas ou excelentes? AS COISAS BOAS SÃO AS QUE O MUNDO OFERECE, AS EXCELENTES SÃO AS DO TEU REINO.
                 Finalmente, Senhor Deus, eu te peço que a sua pessoa seja revelada e conhecida de cada amigo e amiga meus que lêem este texto, pois eu os amo e desejo o melhor para cada um. Que cada um seja tocado por seu amor, que abram a porta e te convidem a entrar e ceiar em seus corações, recebendo seu filho Jesus em suas vidas como Senhor e Salvador. Que passem a ter livre acesso a ti, unicamente através de seu filho.  E que entendam que não escrevo palavras bonitas, mas falo da Verdade, e de uma realidade disponível hoje para todo aquele que te recebe, e diante da qual todos nós um dia prestaremos contas. Que o seu Espírito os guarde, ensine e conduza. Nesta madrugada, esta é a minha oração.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Para Vânia



            Minha mãe é uma mulher delicada. Discreta, prefere observar primeiro, pra depois, talvez, emitir sua opinião. Esta discrição anda de mãos dadas com sua nobreza de caráter e dedicação.        
          Numa amizade, é difícil encontrar alguém tão fiel. Como está escrito: “há amigos mais chegados que irmãos.” Privilegiados aqueles que ganham seu coração. Ela vai viver pra você, e pode até atravessar um oceano, se preciso for, para fazer algo como comprar um remédio, um presente, mandar cobrir um botão, ou te visitar.
         Se você adoecer gravemente, é bem provável que ela te acompanhe de perto, até você ficar bom. No dia da alta, se sua família não estiver presente, com certeza ela vai te buscar. Exagero? Pergunte a seus amigos e familiares. 
         Mas quando se ama de verdade é assim mesmo: chegamos a um ponto em que cuidar do outro é tão bom quanto cuidar de si mesmo, pois o outro se torna uma parte sua. E cuidar e amar se tornam prioridades em sua vida que, fique atento, te darão mais recompensas que muitas honras e glórias do mundo.
         É como cultivar um jardim: vai dar formiga, pulgão. Uma árvore cresce, a outra não vai pra frente. Do projeto à realidade, muito trabalho e adequação.
         Uma árvore de pé franco, plantada da semente, demora sete anos pra dar frutos pela primeira vez. Com gente não é diferente: amar e educar são investimentos a longo prazo. Você cansa, não vê retorno, até desanima. Mas quando nasce o primeiro fruto, pode ser uma pitanga sozinha no pé, ou uma declaração de amor de um filho, que satisfação ímpar! Melhor ainda é ver, no decorrer do tempo, os frutos que permanecem: retidão, caráter, maturidade, respeito, altruísmo, amor. Com minha mãe, aprendi que investir em nossa descendência, de forma presente e amorosa, é o mais importante projeto que pode haver. É nossa forma de permanecer, se desdobrando.
         Posso dizer que minha mãe tem colhido bons frutos. Afinal, de dois filhos, ganhar seis netos, mostra uma semente com excelente coeficiente de multiplicação. E, como costumo dizer, estamos conseguindo salvar nossa família que, de tão pequena, estava ameaçada de extinção.
         Bem, brincadeiras à parte, é preciso dizer que quem mais conhece o coração de uma mulher é, em primeiro lugar: Jesus, e logo a seguir..... responda. Seus maridos? Hum, alguns podem até conseguir desvendar este mistério, mas em geral, este posto é ocupado pelos filhos menores, afinal, é deles o reino dos céus.
         Você pode subestimar o poder analítico de uma criança, mas examine seu próprio coração e comece a ‘pescar’ as lembranças mais longínquas que guarda de sua mãe.
         Aposto que você se lembra vividamente do gesto de suas mãos, de sua maneira de agir e reagir às mais diversas situações, ou ainda de hábitos prosaicos, como a cor de esmalte que ela mais gostava, ou de uma encantadora gaveta de presentes que ela mantinha para situações de necessidade.
         Estas são lembranças vivas que tenho da minha mãe. Corajosa, viajava sozinha conosco, muitas vezes dirigindo centenas de quilômetros pra chegar ao destino escolhido. Este modelo de mulher intrépida é referência não só pra mim como para muitas de minhas amigas que passaram a nos acompanhar nas férias, quando a fase “turma adolescente” se tornou inevitável. Brava, discutia até com motorista de caminhão, se fosse preciso, em nome da justiça e da defesa das crias.
         Nos duros anos de chumbo, nos criou com zelo e esforço, ao lado do nosso pai, sempre nos preservando, com sobriedade e auto-controle, da opressão e de situações difíceis que atingiram nosso país e família.
         Com ela aprendi a gostar de Chico Buarque, gênio sem par que compôs as trilhas sonoras de nossas vidas nos anos 1970. Tocava em casa estas e outras músicas ao violão, no tom discreto e melancólico da época, desta forma destilando tristezas e inquietações, e sublimando a necessidade de verbalizá-las. Seu repertório multiinstrumental foi inaugurado anos antes com o acordeon, tendo iniciado sua carreira ainda solteira, escondida de meu avô, pasmem, num programa do maestro Elias Salomé, na pioneira TV Itacolomi. Mais tarde aprendeu órgão, piano, espineta e hoje, ensaia tocar sua marimba de vidro. Pra tanto instrumento, é preciso quem toque. Portanto, o legado musical vem sendo passado com zelo aos filhos e netos, estes, despontando como a quarta geração de músicos da família. A música, ao que tudo indica, foi plantada na família pela saudosa vovó Dina, que se formou em canto e piano no Conservatório de Música, em 1933, fundando a primeira orquestra de mulheres de Belo Horizonte, e oficializando o talento que já existia entre as irmãs, Sinhá, Isaura e Dina, que tocavam, muitas vezes de improviso, a trilha do cinema-mudo de Sete Lagoas.
         Bem, como 70 anos não são 70 dias, é preciso agradecer. E celebrar. “Em tudo daí graças”, assim o apóstolo Paulo, preso por causa do Evangelho, nos ensinou. Desejo a você, mãe, a alegria do Senhor, e que rios de águas vivas fluam do seu ventre. Que você possa, aos 70 anos sonhar, e viver os sonhos de Deus pra você. Em nome da família, agradecemos a vocês, amigos,  irmãos. Vocês fazem parte desta história bordada, ponto a ponto, que se chama VIDA. 

terça-feira, 12 de abril de 2011

Por quinze minutos de contemplação


             Esta tarde, de repente, a energia elétrica acabou por completo em meu bairro."A Cemig está fazendo reparos. Em quinze minutos a energia volta.” – me informou o porteiro.
            Sem internet, telefone sem fio, luz elétrica ou qualquer eletrodoméstico que se preze, o jeito foi dar uma pausa.
            No começo, a cabeça quis me ocupar com as inúmeras tarefas na fila de espera. Mas, por inspiração do alto, achei que devia parar um pouco, e me dirigi até o jardim.
            Como estava sem filhos nesta tarde, portanto desocupada de funções maternas, me deliciei deitando na grama e contemplando a mata, e o céu totalmente azul desta tarde de abril. Há quanto tempo eu não fazia isto! Tanto, que nem me lembrava quando havia conjugado o verbo 'contemplar’ pela última vez.
            Do meu jardim, pude ver a perfeição da luz da tarde filtrada pelas folhas das árvores mais altas, e confirmar o entendimento de que a natureza, sendo perfeita, não corre de uma lado pra outro resolvendo coisas, ela apenas é e, quando necessário, espera.  
          Uma cigarra, por exemplo, vive até 16 anos debaixo da terra, em forma de pulgão, esperando o  momento de sair das profundezas do chão e literalmente, vir à luz. A vida da cigarra fora da terra,  por sua vez, dura apenas 4 meses.
            Quando o ápice da metamorfose finalmente acontece, o pulgão se agarra a uma superfície áspera, como uma casca de árvore, e a nova criatura alada rompe a casca da antiga, surgindo, asas ainda molhadas, prenunciando seu voo e canto, verdadeiros motivos de sua existência. 
            Fosse um ser humano, chegado o momento mais esperado de sua vida, não caberia em si de ansiedade e logo começaria a agir, fazer contatos, explorar o ambiente, para dominá-lo, não acham? A cigarra não, ela espera! 
            Do momento em que ela sai da casca ao primeiro voo, se passam cerca de 24 horas. Sabe o que ela faz neste período? Fica parada, imóvel, no mesmo lugar. Ela não pensa. Está, portanto, totalmente submetida à natureza. Ela é parte da natureza, não se desintegrou e se tornou, como muitos de nós, desequilibrada. 
             Desta forma, permite que sua asas se abram completamente, sequem, e que o momento de fazer seu primeiro voo,   naturalmente, chegue. Então , finalmente, canta, pois tudo está no lugar certo.
          Nós, humanos, ao contrário, não sabemos esperar. Queremos (pobres de nós), ser 'donos do tempo'. 
           Vivemos, ultimamente, uma certa síndrome de ‘coelho de Alice’. O pobre personagem, sempre apressado, e com um relógio de bolso nas mãos, vivia dizendo, numa previsão  correta e nada otimista de nosso tempo: - “É tarde, é tarde, é tarde até que arde!”  O tempo hoje de fato parece nunca ser suficiente. Por mais que cortemos compromissos da agenda e passemos a priorizar o seu uso, a sensação é de que ele nunca será bastante para se cumprir o desejado ou necessário.
            Pessoas de todas as idades, origens e culturas têm compartilhado desta percepção. 
           E o que devemos aprender quando o tempo nos falta? Que é preciso parar de correr atrás do vento, e priorizar o que é realmente importante em nossas vidas. Semear o que é duradouro, "ajuntando tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferugem consomem, e os ladrões não roubam" (Mt 6:19-20), e não na terra.
            Bem, mas voltando ao momento ‘Contemplação, ainda que tardia’ (bons dizeres para uma bandeira de nosso atual ‘estado’); de repente, comecei a gostar muito de estar parada. E vale dizer: sem culpa. Pude admirar com calma meu jardim - sonho atávico de um pequeno Éden perto de mim. E qual ser humano não tem dentro de si o sonho de um jardim? Já examinou seu DNA? Afinal, para que serve um jardim, senão para ser contemplado?
            Parei para observar as flores virando frutos na minha pitangueira, e ouvir o som ‘dolby surround stereo’ da vizinhança: cachorros latindo em diferentes timbres e lugares, folhas e frutos caindo no chão, passarinhos e animais silvestres se movimentando no intenso, e perfeito, trânsito da mata. Tudo entremeado por um delicioso silêncio, sem nenhum, absolutamente nenhum som urbano.
             É ótimo observar o comportamento da natureza, de preferência sem a interferência humana. É curioso: os pássaros cantam todos os dias. Adoram ao Criador. Além disso descansam, e contemplam. Basta observá-los para confirmar o que digo. Preste atenção nestes verbos: contemplar, descansar. Nós, raça humana, dotada de tanta 'inteligência', vivemos ocupados, e raramente paramos para descansar ou contemplar a vida que nos rodeia.
            No Evangelho de Mateus (6:26), Jesus diz: “Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?”
            Se temos acesso a esta garantia celestial de provisão de nossas necessidades vitais,  por que, então, vivemos tão aflitos? Quanto mais o homem se distancia da natureza e do Criador, e idolatra sua própria criação (bens de consumo e serviços de todo tipo, cada vez mais atraentes e sofisticados), mais constrói pra si um buraco negro, aonde ele mesmo termina por cair, e que termina em depressão, insatisfação, desequilíbrio psíquico, entre outras coisas. Estou inventando coisas? Basta olhar à sua volta.
            O Brasil vive, nas estatísticas mundiais, um privilegiado momento de crescimento econômico. Mas atenção para as consequências sociais e humanas desta novidade. Já estamos colhendo os frutos; uns bons, outros nem tanto. O materialismo e consumismo exacerbados, em detrimento da preservação de valores humanos essenciais, talvez sejam os mais evidentes e danosos deles.
            Similar ao que aconteceu nos EUA após a Segunda Grande Guerra, quando um desenvolvimento econômico acelerado, gerou benefícios materiais e acúmulo de riqueza, mas deixou sérios danos emocionais e psíquicos à sociedade norte-americana, como o excesso de consumo, depressão, dívida interna altíssima, má administração das riquezas, obesidade, entre outros, que se refletem até os dias atuais, naquele país que amo e aonde tenho amigos. 
            Bem, pra terminar, só queria te encorajar a contemplar mais e correr menos.
            Parece impossível? Mas com certeza, vale a pena. É como fazer ginástica, orar, entrar na presença de Deus, se alimentar bem, fazer o que você gosta e também o que abençoa outras pessoas. No começo parece difícil, mas pouco a pouco você consegue incluir na sua agenda hábitos saudáveis, até não poder mais viver sem eles.
            Que me perdoe o artista norte-americano Andy Warhol,  que nos anos 1970 disse que "no futuro, todo mundo ia ter quinze minutos de fama." 
            Ele acertou, mas com certeza, quinze minutos de contemplação, hoje, produzem frutos melhores e mais duradouros que qualquer tempo ou tipo de fama.

quarta-feira, 30 de março de 2011

C P F

           O menino era muito pequeno, devia ter, no máximo, quatro anos. Um amigo muito próximo da família aconselhou seus pais a fazerem um plano de previdência privada para o pequeno e seus irmãos. Para agilizar o processo, tanta intimidade tinha, que mandou fazer o CPF das crianças, condição sine qua non para se fazer o tal plano.
            Pois muito bem, dia vai, dia vem e, a despeito de tanta modernidade, de repente, vão chegando, uma a uma, quatro cartas pelo Correio, endereçadas a cada uma das crianças da casa.
            Pra quem nasceu na era da internet, do cartão de banco, e do playstation, aquilo era pra lá de insólito, coisa nunca vista, até parecia ser da época do vinil, da fita cassete ou do projetor de super-8 do avô.
              Nesses tempos em que não se recebe mais carta de namorado nem de amiga estrangeira (aquelas, com direito ao deleite da espera e das provas materiais do remetente - seja a caligrafia, a textura do papel, o perfume, o selo ou o carimbo de origem, uma flor seca ou até uma borboleta dentro no envelope); e que só se recebe pelo correio aquilo que não se quer - propaganda,  jornal do bairro e contas a pagar- , uma carta com nome de criança é mesmo uma experiência singular.
           A mãe fez um certo suspense, aproveitando a oportunidade para ensinar. Curiosidade criada, o menino se aproximou e foi logo abrindo o envelope, com todo cuidado pra não rasgar o conteúdo. 
             Lá dentro não tinha carta, mas um papel bem dobrado, com um lindo cartão azul , aonde ele reconhecia seu nome completo e três grandes letras brancas formando uma sigla: C P F.
Como conhecia bem o alfabeto, mas ainda não sabia ler, foi logo perguntando: - "Mãe, o que é CPF?"
- Cadastro de pessoa física, respondeu a mãe.
          O menino ficou suspenso por um tempo, digerindo a informação. Aquele cartão parecia  ser mesmo algo muito importante. Talvez com ele pudesse tirar dinheiro na máquina do banco, e  então comprar picolé, figurinhas e um monte de gibis.
          O significado daquelas palavras era difícil de entender, mas o certo é que a partir daquele momento  algo parecia prestes a mudar definitivamente.
           Então, num lampejo, muito sério, disparou:
- Quer dizer, então, que já sou uma Pessoa Física?

segunda-feira, 7 de março de 2011

POEMA

Na tarde quieta
de chuva e pensamento

meu jardim descansa
dentro e fora de mim.

Uma certa canção
feita do outro lado do oceano
gera inspiração aonde é tocada.

Beleza
Movimento
Liberdade
Pensamento

Tudo cabe
Dentro e fora do tempo.

Os séculos passam
O homem permanece
perseguindo versos
que traduzam
a verdade profunda e simples de sua existência.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Teoria do visitante estrangeiro x o habitante local


            Tenho uma teoria sobre o comportamento do visitante estrangeiro, versus o do habitante local. Me explico.
            Já reparou que os japoneses, povo considerado o que mais trabalha no mundo, tira apenas uma semana de férias por ano e, neste curto tempo, consegue visitar toda a Europa, conhecer o Brasil, ou quem sabe até dar a volta ao mundo?
            É bem verdade que são “férias de japonês”, algo assim, como uma “visita de médico”, só que com relação a viagens. Eles, com a mais moderna tecnologia em mãos, registram cada minuto do passeio para, uma vez de volta à casa, apreciar todos os lugares por onde passaram. Vêem, então, o filme da própria vida, em tempo real pois, ao vivo, não tiveram tempo de viver com calma. Paradoxo dos paradoxos.
            Nossa saudosa Tia Isaura, que viveu prodigiosos 99 anos, e viajou o mundo todo, dizia, quando perguntada porquê não tirava uma foto sequer de suas viagens: - “Bobagem, o tempo que eu tenho para ver com meus próprios olhos, vou gastar olhando por trás de uma câmera?” Argumento legítimo e incontestável, mesmo para os amantes da fotografia. Bem, o dilema entre viver e registrar a vida é tema para outro texto .
            Mas, voltando à “vaca fria”: esta teoria bem poderia ser patenteada, antes que seja comprovada cientificamente ou vire tese de Doutorado. Fruto de anos de observação, demonstra o seguinte: todo viajante tem a sina de querer conhecer o máximo de ícones do turismo, no mínimo de tempo. Permanecer em cidades estrangeiras em geral é caro, portanto, o viajante precisa dizer a que veio. Por exemplo: mesmo que você não se considere um turista, e se veja mais como um cidadão do mundo, mesmo que seja um viajante pouco tradicional, “cool”, alternativo, ou até sofisticado, tem certos programinhas que você não vai deixar de fazer: se for à Paris, vai subir na Torre Eiffel, andar de Bateau Mouche no Sena, tomar sorvete na Ile de La Cité. Se for gringo visitando o Rio, tem que ir ao Pão de Açucar, procurar a garota de Ipanema e fazer fotos no Cristo Redentor. Senão, afinal, como reza a lenda, é como se não tivesse ido lá. Quando você for postar na internet uma foto daquela maravilhosa viagem à Patagônia, tem que ter as geleiras ao fundo, ou ninguém vai acreditar que você, de fato, foi lá, certo?
            Pois muito bem. Por outro lado, já reparou que os moradores destas mesmas cidades, muitas vezes nasceram ou vivem nelas há décadas, e nunca visitaram tais monumentos? Quantos cariocas nunca subiram ao Pão de Açucar, nova iorquinos nunca foram ao MOMA, parisienses só foram à Torre Eiffel quando crianças, barceloneses não conhecem o Parque Güell (parque o quê?), belo-horizontinos nunca foram à Praça da Liberdade ou ao Mercado Central.
            É que quando a gente mora num lugar, acha que tem a vida inteira pra fazer tais programas, e acaba não fazendo nada. Ouro Preto está ali desde o século XVIII, tão pertinho, pra que se preocupar? Ela lá, eu cá. Fim de semana, a gente fica cansada da correria, e é melhor não inventar moda. Fora os compromissos familiares e sociais, dos quais não dá pra escapar; se sobrar um tempinho pra um cochilo depois do almoço, em casa mesmo, já está bom demais.
            Meu pai sempre fala que existe a vontade física e a mental. Na maioria das vezes, as duas são opostas, e é mais fácil imaginar-se em algum lugar que ir parar lá de verdade. Tem gente que aprende viajando o mundo, tem gente que sabe tudo sem sair do lugar.
            Bem, ao longo dos anos já vi minha teoria se comprovar várias vezes, mas em uma viagem recente vivi uma situação que foi, além de tudo, bastante pitoresca.
           Quem guia no dia-a-dia, não conhece o destino que ensina; quem vem do outro lado do mar, num só dia conhece o mundo.
            Domingo. Férias de verão em Londres. A família toda resolve visitar o British Museum. Um programa gratuito e imperdível, tanto para crianças como para adultos. Após um rápido exame do mapa do metrô, escolhem o trajeto mais curto e partem em direção à estação de Tottenham Court Road. Lá chegando, a família se depara com as diversas e labirínticas saídas do underground, e, enquanto procuram a melhor delas, eis que se aproxima um simpático senhor, devidamente paramentado, funcionário do metrô de Londres. Muito trivial para os ingleses, para nós, como que saído de um filme. Para enorme surpresa dos visitantes, ele, interpretando a situação do alto de seus cabelos brancos, se aproxima e oferece, espontaneamente, ajuda, “with a very british accent.”
            Com ajuda da tecla sap, passo a narrar o diálogo que se segue:
- Indo para o British Museum? – pergunta.
- Sim. – respondem, surpresos com a amabilidade gratuita, esta, hoje, espécie em extinção em todo o mundo .
Ele estende a mão, oferecendo um mapa do bairro e rapidamente explica:
- Saiam em frente, primeira à direita, segunda à esquerda, no segundo quarteirão.
Querendo perpetuar o diálogo, perguntam, em meio ao turbilhão de turistas:
- Quantas pessoas já passaram indo ao Museu hoje?
Ele, com o típico bom-humor e espirituosidade inglesas:
- Três, trinta, trezentos, três mil !
- E o senhor, não vai também ao Museu?
- Já fui .... Há cinqüenta anos!