terça-feira, 12 de abril de 2011

Por quinze minutos de contemplação


             Esta tarde, de repente, a energia elétrica acabou por completo em meu bairro."A Cemig está fazendo reparos. Em quinze minutos a energia volta.” – me informou o porteiro.
            Sem internet, telefone sem fio, luz elétrica ou qualquer eletrodoméstico que se preze, o jeito foi dar uma pausa.
            No começo, a cabeça quis me ocupar com as inúmeras tarefas na fila de espera. Mas, por inspiração do alto, achei que devia parar um pouco, e me dirigi até o jardim.
            Como estava sem filhos nesta tarde, portanto desocupada de funções maternas, me deliciei deitando na grama e contemplando a mata, e o céu totalmente azul desta tarde de abril. Há quanto tempo eu não fazia isto! Tanto, que nem me lembrava quando havia conjugado o verbo 'contemplar’ pela última vez.
            Do meu jardim, pude ver a perfeição da luz da tarde filtrada pelas folhas das árvores mais altas, e confirmar o entendimento de que a natureza, sendo perfeita, não corre de uma lado pra outro resolvendo coisas, ela apenas é e, quando necessário, espera.  
          Uma cigarra, por exemplo, vive até 16 anos debaixo da terra, em forma de pulgão, esperando o  momento de sair das profundezas do chão e literalmente, vir à luz. A vida da cigarra fora da terra,  por sua vez, dura apenas 4 meses.
            Quando o ápice da metamorfose finalmente acontece, o pulgão se agarra a uma superfície áspera, como uma casca de árvore, e a nova criatura alada rompe a casca da antiga, surgindo, asas ainda molhadas, prenunciando seu voo e canto, verdadeiros motivos de sua existência. 
            Fosse um ser humano, chegado o momento mais esperado de sua vida, não caberia em si de ansiedade e logo começaria a agir, fazer contatos, explorar o ambiente, para dominá-lo, não acham? A cigarra não, ela espera! 
            Do momento em que ela sai da casca ao primeiro voo, se passam cerca de 24 horas. Sabe o que ela faz neste período? Fica parada, imóvel, no mesmo lugar. Ela não pensa. Está, portanto, totalmente submetida à natureza. Ela é parte da natureza, não se desintegrou e se tornou, como muitos de nós, desequilibrada. 
             Desta forma, permite que sua asas se abram completamente, sequem, e que o momento de fazer seu primeiro voo,   naturalmente, chegue. Então , finalmente, canta, pois tudo está no lugar certo.
          Nós, humanos, ao contrário, não sabemos esperar. Queremos (pobres de nós), ser 'donos do tempo'. 
           Vivemos, ultimamente, uma certa síndrome de ‘coelho de Alice’. O pobre personagem, sempre apressado, e com um relógio de bolso nas mãos, vivia dizendo, numa previsão  correta e nada otimista de nosso tempo: - “É tarde, é tarde, é tarde até que arde!”  O tempo hoje de fato parece nunca ser suficiente. Por mais que cortemos compromissos da agenda e passemos a priorizar o seu uso, a sensação é de que ele nunca será bastante para se cumprir o desejado ou necessário.
            Pessoas de todas as idades, origens e culturas têm compartilhado desta percepção. 
           E o que devemos aprender quando o tempo nos falta? Que é preciso parar de correr atrás do vento, e priorizar o que é realmente importante em nossas vidas. Semear o que é duradouro, "ajuntando tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferugem consomem, e os ladrões não roubam" (Mt 6:19-20), e não na terra.
            Bem, mas voltando ao momento ‘Contemplação, ainda que tardia’ (bons dizeres para uma bandeira de nosso atual ‘estado’); de repente, comecei a gostar muito de estar parada. E vale dizer: sem culpa. Pude admirar com calma meu jardim - sonho atávico de um pequeno Éden perto de mim. E qual ser humano não tem dentro de si o sonho de um jardim? Já examinou seu DNA? Afinal, para que serve um jardim, senão para ser contemplado?
            Parei para observar as flores virando frutos na minha pitangueira, e ouvir o som ‘dolby surround stereo’ da vizinhança: cachorros latindo em diferentes timbres e lugares, folhas e frutos caindo no chão, passarinhos e animais silvestres se movimentando no intenso, e perfeito, trânsito da mata. Tudo entremeado por um delicioso silêncio, sem nenhum, absolutamente nenhum som urbano.
             É ótimo observar o comportamento da natureza, de preferência sem a interferência humana. É curioso: os pássaros cantam todos os dias. Adoram ao Criador. Além disso descansam, e contemplam. Basta observá-los para confirmar o que digo. Preste atenção nestes verbos: contemplar, descansar. Nós, raça humana, dotada de tanta 'inteligência', vivemos ocupados, e raramente paramos para descansar ou contemplar a vida que nos rodeia.
            No Evangelho de Mateus (6:26), Jesus diz: “Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?”
            Se temos acesso a esta garantia celestial de provisão de nossas necessidades vitais,  por que, então, vivemos tão aflitos? Quanto mais o homem se distancia da natureza e do Criador, e idolatra sua própria criação (bens de consumo e serviços de todo tipo, cada vez mais atraentes e sofisticados), mais constrói pra si um buraco negro, aonde ele mesmo termina por cair, e que termina em depressão, insatisfação, desequilíbrio psíquico, entre outras coisas. Estou inventando coisas? Basta olhar à sua volta.
            O Brasil vive, nas estatísticas mundiais, um privilegiado momento de crescimento econômico. Mas atenção para as consequências sociais e humanas desta novidade. Já estamos colhendo os frutos; uns bons, outros nem tanto. O materialismo e consumismo exacerbados, em detrimento da preservação de valores humanos essenciais, talvez sejam os mais evidentes e danosos deles.
            Similar ao que aconteceu nos EUA após a Segunda Grande Guerra, quando um desenvolvimento econômico acelerado, gerou benefícios materiais e acúmulo de riqueza, mas deixou sérios danos emocionais e psíquicos à sociedade norte-americana, como o excesso de consumo, depressão, dívida interna altíssima, má administração das riquezas, obesidade, entre outros, que se refletem até os dias atuais, naquele país que amo e aonde tenho amigos. 
            Bem, pra terminar, só queria te encorajar a contemplar mais e correr menos.
            Parece impossível? Mas com certeza, vale a pena. É como fazer ginástica, orar, entrar na presença de Deus, se alimentar bem, fazer o que você gosta e também o que abençoa outras pessoas. No começo parece difícil, mas pouco a pouco você consegue incluir na sua agenda hábitos saudáveis, até não poder mais viver sem eles.
            Que me perdoe o artista norte-americano Andy Warhol,  que nos anos 1970 disse que "no futuro, todo mundo ia ter quinze minutos de fama." 
            Ele acertou, mas com certeza, quinze minutos de contemplação, hoje, produzem frutos melhores e mais duradouros que qualquer tempo ou tipo de fama.