terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Jocelin e os arándanos, ou 44 km para comer framboesas

Ela vive perto perto do vulcão Osorno, na região central do Chile. Estuda na cidade com nome de vulcão, e trabalha no campo, numa plantação de frambuesas e arándanos (as famosas blueberries, no Brasil, mirtilos). 

Foi assim que a conheci. Passávamos por uma pequena estrada em direção a Paso Samoré, percorrendo os 351 km que separam Puerto Varas, no Chile, de Bariloche, porta da da Patagônia argentina. Esta é a única passagem  possível de carro entre os dois países, nesta região dos lagos andinos, atravessando a Cordilheira dos Andes.

Na estrada, nehuma parada decente à vista. De repente, uma casinha com dois anúncios: Arándanos e Frambuesas. Foi impossível não dar meia volta e parar para provar as frutas.

Simples e simpática, como típica chilena do interior, Jocelin trouxe, de dentro da casa, duas vasilhas enormes repletas de frambuesas e arándanos fresquinhos. Após comprar uma 'medida' de cada, perguntei se poderia conhecer a plantação. A moça gentilmente nos conduziu à área anterior à casa, através de um portão que dava acesso a uma imensa plantação das frutas patagônicas, com milhares de pés repletos, cujo número não se podia contar. Ao indagar se podíamos comer do pé, respondeu, num espanhol bem emboladinho:
"-Poden comer todo lo que quieran!"

Nos contou que aquela plantação tinha produzido, na safra atual, 45 mil kilos de framboesas, mas que grande parte iria se perder. Diante do meu espanto, explicou: o maior cliente deste fazendeiro, para exportação, é a Sérvia. Neste ano, o país do leste europeu produziu mais framboesas que o esperado, portanto sua importação diminuiu. A venda local, no varejo, nesta pequena propriedade chilena, é de somente 5 mil kg, e o consumo das frutas no país é baixo. Portanto, grande parte dos 40 mil kilos restantes iria se perder.

Descobertas econômicas feitas, perguntei ainda sobre nomes de árvores gigantes e dos cuidados com a plantação, indagações que ela não soube responder, dizendo não ter 'interesse sobre o assunto'.

A postura blasé da moça, numa realidade tão rica e distinta da nossa, me fez pensar no quanto a curiosidade é ligada à inteligência. Quem é inteligente costuma ser curioso, e esta curiosidade muitas vezes nos leva a conhecer não só o ambiente em que vivemos, como amplia sem limites nosso conhecimento do mundo.

Esta contradição me fez pensar o quanto não valorizamos o ambiente em que vivemos - pois certamente esta moça habita numa das regiões mais lindas do planeta -, e o quanto as novas gerações se desinteressam e perdem o conhecimento sobre a natureza e sua dinâmica, seja na Patagônia ou em qualquer parte do mundo.

Bem, mas seguindo viagem, já dentro do carro, preparando para nos despedirmos, Jocelin, aos 45 minutos do segundo tempo, pergunta:  

-"De donde sos?"
- "De Brasil." respondemos. Ao que ela, prontamente, rebate:
-"Hay muchos reptiles en Brasil????
Apesar de atônita com a pergunta 'Indiana Jones' da moça, respondo com naturalidade, para não constrangê-la:
-"En las grandes ciudades no. E estas son la verdadera selva." Jocelin insiste:

- "Hay anacondas?" Mesmo sabendo que esta é uma imagem clichê do Brasil no exterior, ficamos perplexos.
Já entrando no carro, respondo, fazendo um certo suspense:
-"No. Pero tenga cuidado: el animal mas peligroso que existe es el ser humano."

Ela sorri, mas creio que, por segurança, jamais virá ao Brasil.

Agora temos 44 km para comer framboesas, antes de chegar à fronteira. Não podemos atravessá-la carregando flores, frutos ou sementes.

Nesta terra longíqua, indescritível e ainda tão pouco explorada, além de encher nossos olhos e alma, descansarmos e aprendermos muito, descobrimos uma oportunidade real para o comércio de berries. Este ano, só nesta pequena propriedade, 40 toneladas de framboesas disponíveis.
Alguém se habilita?